Na contramão



Eu sou nova, mas me chamam de velha. E de fato sou. Sou careta relação a tantas coisas que as vezes me pergunto se realmente tenho 20 anos. Eu me apego aos detalhes e a simplicidade, tanto na vida como nas leituras.

Eu gosto da forma como os antigos escritores transcreviam, cada gesto simples, explicado com suavidade, detalhe e sentimento. Uma frase usual no cotidiano que diz "...E ela abraçou as pernas enquanto chorava" poderia se transformar em "E ela repousou seus braços enquanto seus dedos se entrelaçavam em suas pernas, formando um laço cingido. As lágrimas escorriam vagarosamente em seu rosto de semblante lamentável". Admiro a riqueza em detalhes na qual eles possuíam ao descrever um ato, ou alguém. Fico imaginando o quanto eles observavam cautelosamente as pessoas e suas ações e tentavam transcrever de forma mais fidedigna possível.

Em obras que retratam épocas passadas, como "Orgulho e Preconceito", é notório a pureza  na qual os protagonistas se relacionam, quase não há toques. É encantador a forma como Mr. Darcy, na primeira vez em que olha para a senhorita Elizabeth Bennet, não enxerga simetria em seu em rosto, mas ao decorrer do tempo, ele começa a enxergar graciosidade  que há nela, e considera então de que a moça é invulgarmente inteligente e bela. São histórias ricas em detalhes e sentimentos. Em contraste, eu observo as pessoas que se consideram modernas, e vejo o quanto se tornaram tão mesquinhas. 

Os filmes e séries que assisti atualmente, são baseados no contato físico e na conversa rápida, que tratam o "conhecer alguém" como uma entrevista de emprego: ganha o cargo de companheiro(a) quem possui a maior número de qualidades estabelecidos mentalmente pelo outro. E as vezes nem é necessário essa entrevista, se a pessoa for bonita. Afinal quem se importa? E depois saem frustrados e se lamentando pela escolha reclamando que o "amor machuca". Eu me importo, e jamais irei me conformar com as migalhas de relacionamentos rasos que as pessoas tentam me fazer engolir.

Vivemos numa geração onde tudo acontece de forma rápida, e é nessa mesma frequência que se chega ao término. As pessoas procuram o que é mais cômodo, fácil, e exteriormente belo. Pessoas que satisfazem seus desejos fugazes, mas, que se dissipam de uma forma absurdamente rápida. Sentimentos são jogados fora, pessoas são descartadas como um simples papel amaçado.

Afinal quem fica, fica!  Fica com feridas no coração, porque foi defraudado. Fica desiludido, porque fez ou deixou o outro fazer dos sentimento brinquedo, um relacionamento sem compromisso. E, não existe essa de que um amor cura outro, é só mais uma desculpa para continuarem tratando pessoas como objetos descartáveis. Ou entra inteiro em uma relação, ou nem se atreva a entrar.

Para mim, é assustador essa forma de ser, e se relacionar. Mas, isso é apenas reflexo de uma sociedade extremamente egoísta, a qual põe o dedo na minha cara e me diz que sou velha e "vou virar solteirona" simplesmente porque espero amar e ser amada de forma recíproca e verdadeira. Sou velha por ter princípios mais duradouros que estes que são me oferecidos de bandeja.

Hoje, poucos tem esse cuidado. Conheci pouquíssimas pessoas que insistem em ter um olhar demorado ao apreciar a essência. Quando me dizem que tenho alma velha, não encaro como insulto. Se ter alma velha é tentar apreciar e tocar com cuidado a alma das pessoas, de fato, o argumento é válido. Sou dona de uma alma considerada tola e careta, que aprecia a coragem de quem se atreve a despir a própria alma.

Eu abomino esses jogos psicológicos de desapego, não consigo enxergar romantismo nisso. É só mais uma desculpa da modernidade para perpetuar seus ciclos viciosos, atos emanados de medo de envolvimento e desculpas para satisfazer o próprio prazer e ego, enquanto vestem-se de máscaras para não perceberem o quanto foram machucadas por outros que já antecederam.

Eu não entendo  o que levam pessoas a enganarem umas as outras, talvez uma frustração ou necessidade de atenção. Mas, sabe de uma coisa? aprecio quem dá a cara a tapa, sendo sincero consigo e com o outro. É uma geração de corpos impecáveis e almas doentes, pois não sabem valorizar o há de mais belo em si e no outro. Porque esquecem até mesmo de tentar se auto conhecer, e esperam ter suas carências supridas por outro, na esperança de ter seu ego massageado.

Não abro mão de ser uma Velha, de prezar pelos detalhes. Sou considerada velha por viver o oposto da mesquinhez de sentimentos. Não abro mão de querer conhecer a essência. Prefiro continuar com esse meu jeito de ter fé no amor, a ter de engolir esse imediatismo tóxico. Vou seguindo na contramão  então, pois prezo pelo que é verdadeiro e recíproco.

- Ingrid Ramires

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